terça-feira, 31 de maio de 2016
Releitura com diretor Augusto Boal No teatro da vida somos todos atores
O diretor brasileiro Augusto Boal (16 de abril de 1931 - 2 de maio de 2009)
assinou uma mensagem enviada pelo Instituto Internacional do Teatro por ocasião da
Jornada Mundial de Teatro, em março,2009
cujo excerto publicamos a seguir
funarte
O teatro não é apenas um acontecimento, é um modo de vida. Embora muitas vezes não tenhamos consciência disso, as relações humanas são estruturadas de modo teatral: o uso do
espaço, a linguagem do corpo, a escolha das palavras e da modulação da voz, a confrontação das ideias e das paixões, tudo o que fazemos sobre o palco, fazemos também nas nossas vidas: o teatro somos nós!
Uma das principais funções da arte do teatro é trazer à nossa consciência os espetáculos da vida cotidiana onde palco e salão, atores e espetadores se confundem.
Somos todos artistas: ao fazer teatro, aprendemos a ver essas coisas que saltam aos nossos olhos, mas que não podemos ver, a tal ponto estamos pouco habituados a olhar.
O teatro é a verdade escondida. Em setembro, fomos surpreendidos por uma revelação teatral: nós, que pensávamos viver num mundo seguro, apesar das guerras, dos genocídios, das hecatombes e das torturas que existiram e existem, claro, porém longe de nós, em terras
distantes e selvagens; nós, que vivíamos em segurança com nosso dinheiro aplicado num banco respeitável ou nas mãos de um honesto corretor da bolsa, fomos informados que esse dinheiro era apenas virtual.
Uma ficção de mau gosto proferida por alguns economistas nada fictícios, e também nada seguros nem respeitáveis.
Tratava-se de um teatro ruim, de uma intriga sinistra na qual uns poucos ganham muito e muitos perdem tudo. Políticos de países ricos mantiveram reuniões secretas, inventando soluções mágicas. E nós, vítimas de suas decisões, permanecemos simples espectadores, sentados na última fila do balcão do teatro.
Uma das principais funções da arte do teatro é trazer à nossa consciência os espetáculos da vida cotidiana em que palco e salão, atores e espectadores se confundem
Há 20 anos, montei Fedra, de Racine, no Rio de Janeiro. Os cenários eram pobres: couros de vaca atirados no chão, varas de bambu delimitando os arredores.
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Antes de cada representação, eu dizia aos atores: a ficção que criamos no dia a dia terminou.
Quando vocês tiverem ido para além desses bambus, não terão mais o direito de mentir. O teatro é a verdade escondida.
Quando olhamos para além das aparências, vemos opressores e oprimidos, em todas as etnias, classes e castas sociais; vemos um mundo injusto e cruel. Temos de inventar um outro mundo, pois sabemos que um outro mundo é possível.
Mas toca a nós construí-lo, com nossas próprias mãos, entrando em cena, sobre os palcos e em nossas vidas.
Somos todos atores: ser cidadão não significa viver em sociedade; significa mudar a sociedade.
FONTE IMAGENS FUNARTE ARQUIVO BOAL