quarta-feira, 8 de junho de 2016

Marguerite Yourcenar: A eternidade ou nada


Marguerite Yourcenar bikini
No começo das suas memórias, Marguerite Yourcenar não diz "eu", mas sim "o ser a que chamo eu". É a frase inaugural, a que reconstrói o seu nascimento: 
"O ser a que chamo eu veio ao mundo numa segunda-feira, dia 8 de Junho de 1903, pelas 8 horas da manhã, em Bruxelas, de um pai francês, pertencente a uma antiga família do Norte, e de uma belga cujos ascendentes se tinham há muito implantado em Liège.
Yourcenar explicou numa entrevista porque evitara este "eu": "'O ser a que chamo eu' significa que não sei quem sou. Sabemo-lo, alguma vez?" Noutra ocasião, a propósito de como não lhe interessava a escrita confessional, disse: "Um eu é uma coisa excessivamente aberta." 
Marguerite Yourcenar  Quotes
E boa parte do que sabemos sobre ela, apenas cem anos passados sobre o seu nascimento (só em 2037 os papéis pessoais poderão ser consultados), é o que ela quis contar (nem sempre da mesma forma) ou reescreveu, transformando-se a si própria em personagem, depois de se ter transformado nas personagens dos seus livros maiores,
 o imperador romano Adriano das "Memórias", o Zenão renascentista de 
"A Obra ao Negro" - quando um dia lhe perguntaram 
se Adriano era ela, respondeu: "Não. Eu é que me tornei nele." Também disse, certa vez: "Através deles, vivi vidas paralelas.
O trio de memórias "O Labirinto do Mundo" ("Memórias - Souvenirs Pieux", "Arquivos do Norte", "O Quê? A Eternidade") é muito mais a história das suas raízes familiares. E faz parte da arquitetura de quem se viu destinada não a contar uma vida tal como foi vivida mas a viver uma vida tal como poderia ser contada (na formulação da sua biógrafa Josyane Savigneau). 
Michel 
A mãe de Yourcenar morreu dias depois do parto. A grande figura da infância - uma das grandes figuras da sua vida - é o pai, Michel de Crayencour, aristocrata viajante, jogador perdulário, algo Casanova no amor às mulheres e à erudição. 
Marguerite Yourcenar  Great Woman and writer:
Com esse pai que a quis tão sábia como livre, começou a ler Marco Aurélio, a estudar grego, latim e inglês na mansão teatral dos Crayencour, no Monte Negro, Norte de França, e a viajar, desde cedo, pela Europa. 
"Obriga o Destino a coroar a tua vida. / O mundo é suficientemente grande para o teu maior desejo", diz um dos primeiros poemas de Marguerite, então adolescente, já certa de ser escritora. 
Com o pai escolhe um pseudónimo, anagrama do apelido Crayencour. E é ainda Michel que paga a edição de estreia, "Le Jardin des Chimères", em 1921, assinado Marg Yourcenar. Tem ela 18 anos. 
Oh, Marguerite Yourcenar, not only are you cute, but I really want those glasses.      “Of all our games, love’s play is the only one which threatens to unsettle our soul, and is also the only one in which the player has to abandon himself to the body’s ecstasy.” -Marguerite Yourcenar:
Dois anos depois, numa viagem a Itália, descobre a Villa Adriana. É quando o imperador romano lhe surge pela primeira vez como personagem. 

A morte de Michel, em 1929, deixa-a com uma magra herança, que ela tenta administrar, enquanto não vive da escrita. Publica nesse ano "Alexis ou o Tratado do Vão Combate". As suas biógrafas Savigneau e Michéle Sarde dão conta de numerosos amantes, homens e mulheres, nesta fase. 
Marguerite Yourcenar, 1930:
Entre 32 e 39, Yourcenar passa longas temporadas na Grécia, com amigos. Traduz a poesia de Kavafis. Mantém uma intensa relação de amizade com um leitor da editora Grasset, André Fraigneau. De novo Savigneau e Sarde asseguram que se tratou de uma paixão avassaladora e infeliz - Fraigneau gostava de homens. A prosa poética de "Fogos" resultará dessa experiência. 
Albert Harlingue- Marguerite Yourcenar, Jardin des Tuileries, Paris, février 1937:
Em 1937, Yourcenar vai a Londres encontrar-se com Virginia Woolf para a tradução de

 "As Ondas". É nesse ano, também em Londres, que conhece Grace Frick, uma universitária americana. 
Marguerite estaria a dizer disparates sobre Coleridge num bar de hotel, quando Grace, na mesa ao lado, decidiu intervir para a corrigir - é a versão da própria Grace. 
O início da II Guerra convence Marguerite a ir viver com Grace para os EUA. Aí, primeiro nos arredores de Nova Iorque, depois numa ilha ao largo do Maine, manterá residência, já como cidadã americana, até à morte. 
GERLILIBROS: MARGUERITE YOURCENAR Cuento azul* * Inédito hasta ...:
Ainda não vive do que escreve, apanha comboios de madrugada para dar aulas, trabalha intensamente. 
No fim dos anos 40 recebe uma mala perdida. Dentro, está o esboço de uma primeira versão das 
Marguerite Yourcenar...my favorite book and the best! gloria cebfer:
"Memórias de Adriano". Em 1949, reencontra-se com a personagem que descobrira na Villa Adriana. 
Talvez a espera fosse um destino. Dirá ela: "Aos 20 anos, teria escrito a história de um esteta, talvez de um amante, talvez de um viajante, mas não teria visto o príncipe, não teria visto o chefe de Estado." 
O que procurou ver corresponde a uma frase de Flaubert: "Tendo os deuses deixado de existir, e Cristo ainda não existindo, houve, de Cícero a Marco Aurélio, um momento único em que só o homem existiu." Encontrar esse homem, tomar a sua vida interior, é a busca do livro que finalmente a consagra. 
Review of Marguerite Yourcenar: Coup de Grace:
Há-de terminá-lo já em Petite Plaisance, a casa da ilha dos Montes Desertos que Grace e ela compram em 1950. 
Marguerite Yourcenar:
Uma década depois, entre muitas viagens, vem a Portugal: "Não conheço outro país, salvo talvez alguns cantos da Inglaterra, onde a poesia esteja mais presente e se respire no mínimo campo e no mínimo bosque, dotada dessa infinita doçura que é a dos poetas portugueses da Idade Média." 
Marguerite Yourcenar:
Descobre Pessoa, um poeta "extraordinário". Conhece Eugénio de Andrade, com quem fala de Pedro e Inês de Castro. 
Os anos 60 são atravessados pela doença de Grace - que lutará até 1979 com um cancro -, pelas campanhas ecológicas e anti-guerra do Vietname. Vota Kennedy. Politicamente, dirá, não é de direita nem de esquerda. 
Em pleno Maio de 68 publica em França
obra em negro
 "A Obra ao Negro" - "a vida movimentada mas 
também meditativa de um homem que faz total tábua rasa das ideias e dos preconceitos do seu século para ver depois onde o seu pensamento o conduzirá livremente." 
Ana, Soror / Marguerite Yourcenar ; tradución de Mª Xosé Queizán:
Grace, que dedicava ao trabalho literário de Yourcenar um empenho infatigável, morre em 1979. 
Meses depois, Yourcenar torna-se a primeira escritora a ser eleita para a Academia Francesa. 
Os últimos anos 
Da companheira com quem partilhou 40 anos de vida, de quem cuidou na doença, prescindindo (até à asfixia, não deixou de o dizer) de viajar, falará pouco, cada vez mais friamente. 
Quando lhe perguntam porque se concentrara em homens que amaram homens - Alexis, Adriano, Zenão, e mesmo Mishima e Kavafis, sobre os quais escreveu - , Yourcenar diz:
 "O amor entre mulheres interessa-me menos, nunca encontrei dele um exemplo grande." 
E numa entrevista poucos meses antes de morrer, sobre a sua relação com Grace: "Primeiro, a amizade apaixonada, depois a história habitual de duas pessoas que vivem e trabalham em conjunto por comodidade [...]. Tentei ajudá-la mesmo até ao fim, mas ela já não era mais o centro da minha existência, e talvez não tivesse sido nunca." 
Marguerite Yourcenar images whatsapp
O seu último companheiro será outro amante de homens, o americano Jerry Wilson. Com ele viaja 

Estos Cuentos orientales son leyendas atrapadas al vuelo, fábulas que forman un edificio aparte dentro de la obra de Marguerite Yourcenar, como una valiosa habitación íntima dentro de un palacio.:
(Índia, Nepal, Japão, Médio Oriente), longe dos longos invernos do Maine. A força do desejo do viajante era nela tão irreprimível como o desejo sexual, terá dito a um amigo egiptólogo. 
Jerry morre em 1986, com sida. 
Marguerite Yourcenar 1987 "Opus Nigrum...:
No Inverno seguinte, Yourcenar fará a sua última viagem por Marrocos. Tem quase 84 anos. Está nas cidades do deserto como nos "souks", a brincar com camaleões e a beber chá. Não deixa de se vestir para jantar, e de usar todos os seus anéis. 
Marguerite Yourcenar  quotes-2
Lê poesia sufi marroquina, livros de ecologia, sagas islandesas. Não chegou a voltar ao Nepal e à Índia, como projectara. Morreu a 17 de Dezembro de 1987. 
Deixara uma lápide pronta, com a inscrição 1903-19...,
 adivinhando que o seu corpo cederia antes do terceiro milénio.
via ALEXANDRA LUCAS COELHO /imagens google

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