domingo, 10 de janeiro de 2016

Carta de Charles Baudelaire Richard Wagner via Celia Valdelomar



Sexta-feira, 17 de fevereiro de 1860.
Senhor:
Sempre imaginei que, por habituado que esteja à glória um grande artista, não teria de ser insensível a uma felicitações sinceras quando esta felicitação fora como um grito de agradecimento e que, em suma, este grito poderia ter um valor de um gênero singular 
Vindo de um francês; ou seja, de homem pouco feito ao entusiasmo e nascido em um país onde não se presta mais atenção à poesia e a pintura que a música. Acima de tudo, quero dizer que lhe devo o maior alegria musical que nunca tenha experimentado. A minha idade apenas atrai já escrever aos homens célebres e teria hesitado muito em testemunhar lhe por carta minha admiração se meus olhos não se tropeçar cada dia com artigos indignos, ridículos, em que se fazem todos os esforços possíveis por difamar o seu gênio. 
Não é você, Senhor, o primeiro homem por ocasião do qual tenha tido eu que sofrer e ter vergonha do meu país. Por fim, a indignação me empurrou a testemunhar lhe meu reconhecimento; me disse a mim mesmo: quero distinguir-me de todos esses imbecis.
A primeira vez que fui para os italianos a ouvir as suas obras, eu fiz muito mal disposto e mesmo-Confessarei-cheio de maus preconceitos; mais tenho desculpa: fui enganado tantas vezes...; Ouvi tanta música de charlatães precedidos de pompa e circunstância... Você me venceu imediatamente.
 O que vivi é indescritível e, se me faz o favor de conter a risada, tentarei passando. No começo eu achei que conhecia aquela música, e, ao refletir mais tarde, percebi de onde veio este miragem; parecia-me que aquela música era a minha e a reconhecia como todo homem reconhece as coisas que esteja destinado a amar. Para qualquer um que não seja homem de talento, esta frase seria imensamente ridícula e mais escrita por um homem que, como eu, não sabe música e cuja toda educação se limita a ter ouvido (com grande prazer, é verdade), Alguns belos fragmentos de Weber e Beethoven.

O caráter que, em seguida, me bateu principalmente em sua música, foi a sua grandeza, aquilo representava algo grande e para a grandeza. Depois voltei a encontrar por todo o lado as suas obras, a solenidade dos sons fantásticos, dos aspectos grandiosos da natureza, e a solenidade das paixões grandiosas do homem. E um deles é instantâneo arrebatado e subjugado. Entre os fragmentos mais estranhos e que me deram uma sensação musical nova, está o dedicado a pintar o êxtase religioso. O efeito produzido pela entrada dos convidados e pela festa nupcial é imenso. Senti toda a majestade de uma vida mais ampla que a nossa. Ainda mais uma coisa: eu experimentei com frequência um sentimento de uma natureza farto singular, o orgulho e a alegria de compreender, de me deixar penetrar e invadir, volúpia realmente sensual, que se assemelha à de subir aos ares ou rolar pelo mar. E a música, ao mesmo tempo, respirava orgulho pela vida. Regra geral, estas profundas harmonias me pareciam semelhantes a estes excitantes que aceleram o pulso da imaginação. Também experimentei, em fim (e peço que não se ria) sensações que resultam, provavelmente, do Espírito do meu espírito e de meus mais frequentes preocupações. Por todo o lado há algo de arrebatado e arrebatador, algo que aspira a elevar-se acima, algo de excessivo e de superlativo. Por exemplo, e servir de um símile tomado da pintura, acho diante dos meus olhos uma vasta extensão de um vermelho sombrio. Se este vermelho representa a paixão, vejo esta aproximar-se gradualmente, através de todas as transições do vermelho e o rosa, até a incandescência da fogueira. Parece que é difícil, impossível mesmo, tornar-se algo mais ardente, e, no entanto, uma última onda vem a traçar um sulco mais branco ainda sobre o branco que lhe serve de fundo. Este será, se você me concede, o grito supremo do alma elevada ao seu paroxismo.

Tinha começado a escrever umas meditações sobre os fragmentos de tannhäuser e de lohengrin que ouvimos; mais tinha de reconhecer a impossibilidade de dizer tudo.
De modo que poderia continuar esta carta interminavelmente. Se pôde você ler-me, eu agradeço. Não me resta mais nada a acrescentar, mas umas poucas palavras. Desde o dia em que ouvi a sua música me digo sem cessar, sobretudo nos momentos baixos: se, ao menos, pudesse ouvir esta tarde um pouco de Wagner... Existem, sem dúvida, outros homens na mesma situação. Em suma, deve sentir-se satisfeito com o público, cujo instinto tem resultado bem superior à má ciência dos jornalistas. Por que não dá alguns concertos mais adicionando fragmentos novos? Fez-nos conhecer o aperitivo de uns gozos desconhecidos; você tem direito de nos privar do resto?... Mais uma vez, Senhor, agradeço-lhe; você me restituiu a mim mesmo e a grandeza, e, além disso, em momentos baixos.

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